A
mulher caminhava penosamente. Pouca proteção contra o sol
causticante do meio dia lhe oferecia o cântaro vazio que
equilibrava sobre a cabeça. Pensamentos sombrios se refletiam
na testa vincada, no rosto de traços duros e amargos. Tropeçando
numa pedra, ela sentiu o sangue escorrer quente e viscoso sob o
dedo ferido. Que importava? Uma ferida a mais. Se não ligasse,
sararia sozinha. Não era assim a vida? Tantas feridas já havia
sofrido, tantas vezes fora rejeitada, magoada, brutalizada e
sempre dera a volta por cima. Ah, isso mesmo. Não precisava da
pena de ninguém. Nem daquelas mulheres “boazinhas”,
“certinhas” que iam aos bandos buscar água bem mais cedo,
quando o dia ainda estava fresco. Conversavam e riam pelo
caminho, o que, com certeza, tornava muito mais suave a pesada
tarefa.
Ela, não. Estava sempre sozinha. Mas vivia muito bem
assim. Aprendera a viver por si, para si, já que nunca pudera
contar com o amor e o cuidado de alguém.
Outro tropeção lhe arrancou dos lábios um “ai”
enraivecido. Lágrimas teimosas e inesperadas impediam-na de ver
onde pisava. Com um gesto impaciente ela secou os olhos. Fazia
muito tempo que chorara pela última vez, e prometera que jamais
derramaria outra lágrima por quem quer que fosse. Nem por si
mesma. Fixou os olhos lá adiante.
Mas o que era aquilo? Ora, que
aborrecimento. Havia um homem
junto ao poço. O que estaria fazendo ali àquela hora? Que idéia,
ficar parado debaixo de um sol escaldante!
Desviando o olhar, a mulher se aproximou do poço para
tirar água. Não iria deixar que um estranho lhe atrapalhasse
mais ainda a vida. Sabia que não trocariam palavra pois podia
logo ver que o homem era judeu. Ele não lhe falaria, primeiro
por ela ser mulher e depois por ser samaritana. Judeus
desprezavam os samaritanos. E tudo bem. Da parte dela, não
abriria o bico. Pegaria a água e se iria o mais depressa possível.
-- Pode me dar um pouco de água?
Pega de surpresa, a mulher estacou onde estava e olhou
nos olhos aquele que lhe dirigia a palavra. Nada viu que pudesse ofender mas não se deixou enganar.
De homens ela entendia. Estavam sempre querendo apenas uma coisa
de uma mulher como ela, e com certeza água é que não era. Mas
o olhar que a fitava era no mínimo respeitoso. E havia algo
mais, algo que ela nem conseguia definir mas que tocou fundo em
seu coração.
Não gostando de sentir-se vulnerável, ela logo revidou:
-- Como é que o senhor, sendo judeu, está falando
comigo que sou mulher samaritana? O que realmente quer comigo?
O homem não pareceu ofendido com a desconfiança dela. Era jovem ainda, ou talvez ela é que se
sentisse velha e desgastada para a idade que tinha.
Aprumando-se, ele falou:
-- Se você soubesse o que Deus tem para lhe dar e quem
sou, você me pediria e eu lhe daria a água viva que saciará
para sempre a sua sede.
O coração da mulher deu um salto ao ouvir
tais palavras. Pensamentos desencontrados colidiam em sua mente.
Nunca mais precisar vir buscar água! Ah, mas é claro que era
uma balela. O moço nem tinha com que tirar água, e o poço era
fundo… Só um
milagre para ele arranjar água assim.
Mas, e a história que tinha ouvido contar
da viúva socorrida pelo profeta Eliseu, o qual fez brotar óleo
da botija até encher todas as vasilhas de que ela dispunha,
livrando-a das dívidas que a obrigariam a entregar seus filhos
como escravos aos credores? Será que para ela também haveria
um milagre? Tinha de saber.
-- O senhor não tem com que tirar água e
o poço é fundo, moço. É, por acaso, mais poderoso que nossos
pais que construíram este poço para dele beber e dar de beber
aos seus filhos e ao seu gado?
-- Quem beber desta água tornará a ter
sede. Aquele, porém, que
beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que estou
oferecendo será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna.
A
mulher sentiu suas entranhas se contraírem dolorosamente. Parecia que aquilo que sempre desejou estava bem ali, ao
seu alcance. Se tivesse esse tipo de água, poderia olhar do
alto todas aquelas mulheres que sempre a desprezaram. Teria algo
que todas desejavam, de que muito precisavam, mas que tinham de trabalhar penosamente para conseguir.
Sem conseguir se conter, ela falou:
-- Senhor, quero essa água para não ter
mais sede nem precisar vir aqui buscá-la.
-- Então, vá chamar seu marido e volte
aqui.
Ah, para que ele foi falar isso, tocando no
cerne da sua vergonha, da sua dor?
Cabisbaixa, ela respondeu:
-- Não tenho marido.
-- É verdade. Você já teve cinco maridos
e o homem com quem mora nem seu marido é.
Ah, agora estava explicado! Estava mesmo
falando com um profeta. Alguém
que nunca a vira antes sabia tudo a respeito de sua vida. Sentiu
o olhar compassivo penetrando os recônditos mais profundos de
sua alma, vasculhando o seu interior, trazendo à tona suas
decepções, sua amargura, o desprezo de que era objeto. Não
conseguia ocultar dele a sede voraz de amor, ternura e apreciação
que a corroía por dentro e que envenenava cada momento de cada
dia, sede essa que só aumentava a cada novo relacionamento.
Lembrava-se das esperanças, dos sonhos que levara para o
primeiro casamento. Era uma jovenzinha cheia de ilusões,
disposta a dar tudo de si para fazer alguém feliz e também ser
feliz, uma esposa amada e respeitada. Mesmo antes de ter ficado
definitivamente comprovado que não geraria filhos, o marido
começara a maltratá-la. Respeito nunca recebera. Ele adquirira
alguém para servi-lo, fazer-lhe todas as vontades, algumas até
degradantes. Nunca recebera um gesto de afeto, uma palavra de
carinho.
Então, viera o divórcio. O menor de dois
males. Se tivesse apenas sido repudiada, teria de continuar
vivendo na casa do marido, servindo à sua nova esposa, em posição
inferior à de uma escrava. O divórcio a liberara para um novo
casamento. A fagulha da esperança ardeu novamente em seu peito
para logo depois extinguir-se. E assim foi. Até que o homem com
quem morava no momento nem casamento lhe oferecera. Pelo menos
tinha um teto sobre a cabeça. E um coração morto no peito.
Agora aquele homem vinha tocar na sua ferida, falar de água
viva para alguém que estava morrendo de sede! Se fosse mais uma
decepção…
Mas o homem apontou Deus como a única
fonte de saciedade permanente para a sede do seu espírito e do
seu coração. E se revelou como Jesus Cristo, o Messias
prometido que salvaria o povo de seus pecados, que restauraria o
relacionamento dos homens com Deus. Ele, o Filho de Deus, se oferecia para encher-lhe a
alma com Seu amor terno e fiel, para restaurar nela o propósito
para o qual fora criada. Uma fonte de água viva jorrou no coração
daquela mulher, lavando as mágoas, as rejeições, as tristezas
que por tanto tempo a mantiveram cativa. Com alegria incontida,
ela largou o cântaro e correu à cidade para contar a todos que
encontrou a respeito do Salvador.
Ah, como Jesus conhece bem o coração das
mulheres, as suas esperanças, os seus sonhos! Ele, que estava
presente quando fomos criadas, sabe quanto dependemos dos
relacionamentos para nos sentir bem. Ele conhece cada rejeição,
cada mágoa enterrada lá no íntimo do nosso ser. E oferece
hoje a cada uma de nós a mesma água viva que ofereceu à
mulher junto ao poço de Jacó, a água fresca do amor de Deus
que, como um bálsamo precioso curará as nossas feridas,
aliviará as nossas dores, nos dará um senso de propósito e
dignidade que nenhum relacionamento humano pode dar.
Por termos sido feitas para os
relacionamentos, pelo fato de eles serem tão importantes para nós,
é neles que está a fonte dos nossos maiores sofrimentos. Se
você perguntar a uma mulher a quem nunca viu antes qual é a
maior preocupação dela no momento, em praticamente cem por
cento dos casos ela lhe dirá que é algum problema de
relacionamento. E você sabe que é verdade, pois o mesmo se dá
com você. Quando nossos relacionamentos vão bem, sentimo-nos
felizes. Mas um telefonema, a voz queixosa de uma filha falando
de um problema que está passando e nossa felicidade evapora.
Quando nossos primeiros pais pecaram, Deus
anunciou as conseqüências que iriam sofrer por causa da sua
desobediência. Para o homem, seriam na área do seu trabalho,
antes realizador, suave, agora penoso, sofrido. No nosso caso,
tudo o que sonhamos em termos de amor, compreensão, respeito,
dignidade Eva gozou em seu relacionamento com o marido. Agora,
depois do pecado, ele, mais forte fisicamente, a dominaria.
Menos voltado para os relacionamentos, ele seria uma fonte
permanente de frustração para ela e seus esforços de se
envolver na vida dele. Ela tentaria controlá-lo e ele fugiria
no silêncio, no trabalho, em outras atividades. E ela, sentindo-se
depreciada, desamada, teria de viver com o coração sequioso
pelo amor e pela apreciação que foi feita para gozar e
derramar sobre os outros.
A sede daquela mulher junto ao poço existe
no coração de cada uma de nós. Talvez poucas passem por uma
situação tão degradante e dramática quando a dela, mas, por
sermos como somos – mulheres - estamos sempre sendo confrontadas com as falhas dos
relacionamentos humanos, onde buscamos saciar nossa sede de amor
e apreciação.
Por isso a resposta de Jesus é perfeita
para nós também. Somente Ele tem a água viva que pode mudar o
rumo da nossa vida. Quando nos voltamos para Ele com a nossa
sede, Ele nos enche com a segurança do Seu amor e com o
significado do Seu propósito para cada uma de nós.
Deus não nos fez carentes para vivermos
sentindo a dor atroz da nossa sede, das nossas necessidades,
pois já doou tudo de que precisamos para ter vida, e vida
abundante. E Jesus é esse tudo.
A samaritana saiu da presença de Jesus
radiante. E sua vida nunca mais foi a mesma. Não sabemos como a
história terminou, se ela se casou com o homem com quem morava,
se acabou sendo aceita e respeitada pelas pessoas da sua cidade.
Tudo indica que sim pois, atraídos por suas palavras, muitos
samaritanos foram procurar Jesus e aceitaram Sua oferta de salvação.
É bem provável que uma pequena igreja tenha surgido naquela
cidade. Mas isso é suposição.
Uma coisa, entretanto, é certa. A mulher
que, como a samaritana, sacia a sede da sua alma com a água
viva do amor de Deus fica livre para ser tudo o que Deus a fez
para ser.
Ele usa a nossa sede para nos atrair para Si. E quando nos entregamos em
Suas mãos, Ele trabalha em nós para nos transformar em mulheres cuja formosura brota do interior, do espírito manso e tranqüilo que
espera em Deus, fazendo bem e não temendo perturbação alguma.